terça-feira, 12 de novembro de 2024

As argolas da proto historia

 

Se já viu artefactos encontrados em povoados da idade do bronze/ferro já deve ter reparado na abundância de argolas simples em bronze, á primeira vista podem parecer anéis, mas a sua forma bem como os seus variados tamanhos anulam esta hipótese, o que é curioso é que estas argolas são talvez o artefacto em bronze mais comum e omnipresente a todos os povoados da época, encontram-se em contextos funerários, e até em depósitos, qual seria a sua função?

 


A interpretação mais aceitada fora de Portugal é que estas argolas seriam uma ‘’moeda’’, isso realmente explica a sua abundância, mas a falta de paralelos etnográficos bem como a falta de necessidade de desenvolver uma moeda num período dominado por trocas de bens gera algumas questões.

Surge também a hipótese destas argolas fazerem parte de algum objeto de adorno, talvez se fizesse um colar com várias ou se pendurassem na roupa?

Podiam também ser ‘’lingotes’’, a forma da argola podia simplesmente ser a forma mais comum de vender bronze, talvez esta ideia seja suportada pelas desproporcionais quantidades de estanho presentes nas argolas, geralmente estas argolas têm uma percentagem superior de estanho em relação a outros objetos de bronze

Claro que não fica de fora a hipótese favorita de qualquer arqueólogo, as argolas também podem ter tido um papel em práticas religiosas ou rituais  poderiam ser utilizadas em oferendas, cerimônias ou como talismãs com significados simbólicos

Podemos especular muito sobre a sua função, o que sabemos ao certo é que eram objetos muito comuns no cotidiano das pessoas na proto historia

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Origens de Bragança

 

A origem do nome Bragança vem da deusa céltica ‘’Brigantia’’, de facto até hoje os habitantes de Bragança são chamados brigantinos, parece, no entanto, que Brigantia viveria na sombra de um povoado muito mais relevante apenas a 7 quilómetros, seria a cidade conhecida pelos romanos como Civitas Zoelarum, hoje em Castro de avelãs, uma pequena aldeia

 


Civitas Zoelarum pode ser traduzido para ‘’terras / cidade dos Zoelas ‘’ mas quem eram os Zoelas ?

Os Zoelas seriam um tribo englobada no grande povo Calaico do norte de Portugal, é importante compreender que na idade do ferro em Portugal não existe o conceito de nação, ou é bastante diferente do conceito atual, é frequente existirem várias subdivisões tribais dentro destes grandes grupos como os Calaicos e os Lusitanos, e é bastante provável que neste tempo os povos se identificassem mais com estas subdivisões, ou seja, é provável que um habitante de bragança da idade do ferro se considerasse como um Zoela primeiro, e como um Calaico em segundo

 

Placa de bronze de periodo romano, trata-se de um texto juridico que faz referencia aos zoelas

Toda a região da depressão de bragança seria a terra dos Zoelas, sabemos, graças ao achado de epigrafes que a principal divindade dos Zoelas era Aerno, e Plínio o velho, uma das fontes clássicas frequentemente consultadas, fez uma referência ao povo zoela dizendo que produziam linho de excecional qualidade

 

Sobre a cidade de bragança em si sabemos menos, haveria certamente alguma ocupação no local, como evidenciado pela porca da vila, uma estatua de granito de um porco datada á idade do ferro (Berrão), esta estatua encontra-se atualmente no pelourinho de bragança, esta não é uma peça única no pais, parece que os povos lusitanos e calaicos tinham alguma afixação pela figura do suíno. Para além deste berrão existe referencia também a um achado da idade do ferro, uma lamina de ouro com uma figura feminina representada no centro, rodeada por 4 golfinhos, a peça é conhecida por ‘’Bráctea de Siracusa‘’ e tem um forte cariz mediterrânico, a figura feminina foi interpretada como uma ‘’divindade’’. É seguro assumir que haveria ocupação de Bragança na idade do ferro, seria muito provavelmente um pequeno castro, ou um local ‘’sagrado’’ ou de culto á deusa brigantia


Brigantia terá dado nome a outras terras por toda a europa, é o caso de Bregenz na Áustria, Briançon nos alpes franceses, A Corunha na Galiza, que outrora chamava-se Brigancium

 

Curiosamente nas lendas irlandesas relativas á chegada dos primeiros homens á irlanda faz-se referência a uma terra na península ibérica chamada brigantia, na qual haveria sido construída uma torre alta que permitiu avistar as costas verdes da irlanda, de acordo com a lenda viriam desta brigantia os primeiros habitantes da irlanda, seria esta ‘’brigantia’’ bragança ou a corunha? As lendas devem ser valorizadas não pelas histórias fantásticas que elas contam, mas pelo que elas nos podem contar sobre a mentalidade dos povos e os seus conhecimentos, neste caso, esta lenda parece inferir a existência de contactos antigos entre os povos ibéricos e os povos irlandeses


terça-feira, 5 de novembro de 2024

Tesouro de Chão de lamas

 

O Tesouro encontrado em chão de lamas, uma aldeia próxima de Coimbra, foi datado aos seculos I ou II antes de cristo, há poucas informações sobre o achado mas terá surgido durante trabalhos agrícolas nas proximidades de chão de lamas

 


O ‘’tesouro’’ trata-se de um conjunto de peças de prata, possivelmente de fabrico indígena lusitano, são seis fascinantes objetos: um colar (torque) completo; um fragmento de outro; duas lunelas ou peitorais, uma de prata batida ou fundida; dois vasos lavrados e um umbo ou umbigo de escudo de guerra ou seja o seu ornamento central com ornatos de ouro ou de prata muito dourada.

 


As peças são dos mais sofisticados exemplos de arte e ourivesaria indígena, tão sofisticados que geram algumas questões, parece que os 6 artefactos que compõem este tesouro não se enquadram em nenhuma tipologia conhecida daquela época, são peças completamente únicas

 

Isto pode significar que foram encomendadas a um artesão talentoso estrangeiro, ou talvez uma prenda? Entrando num campo completamente hipotético, sabemos que os cartagineses frequentemente contratavam mercenários lusitanos, poderão estas peças fazer parte de algum tipo de acordo com Cartago ou outra qualquer civilização onde a produção destas peças fosse mais provável?

A arte nas peças, nomeadamente na lúnula, é inconfundivelmente indígena, a lúnula foi interpretada como um cenário de sacrifício, parece mostrar a oferenda de porcos a uma figura representada por uma cabeça, nas extremidades parecem estar representadas duas cabeças de cobra estilizadas, esta decoração das extremidades seria algo comum na época, claro que a interpretação é subjetiva e há elementos representados na lúnula que não sabemos interpretar

 


A presença de trísceles e outros elementos de arte típicos de culturas célticas de la tène podem no entanto indicar-nos um pouco mais acerca de quem eram os lusitanos, as fontes clássicas não concordam sempre acerca de quem eram os lusitanos, uns dizem que eram celtas outros afirmam que não, atualmente parece que a visão mais aceite é a que seriam povos indígenas, etnicamente falando, mas que falariam uma língua semelhante ás línguas célticas e em termos culturais poderiam ser interpretados como tal, as peças deste tesouro são das poucas da região centro de Portugal (onde viveriam os lusitanos) que possuem realmente arte celta, e parecem apoiar esta interpretação, apresentam a tríscele céltica, mas mantêm um caracter único na sua arte, parecem representar exatamente a mistura do mundo da idade do bronze com as novas influencias célticas

 

Infelizmente este tesouro e importantissima obra de arte indigena portuguesa foi vendida pelo achador, desapareceu por uns tempos e foi novamente encontrada no museu arqueologico nacional de madrid, onde está até hoje


quinta-feira, 31 de outubro de 2024

O mistério dos ''tesouros'' da idade do bronze

 

 
(deposito proviniente de inglaterra)

Certamente já conhece o fenómeno das deposições da idade do bronze, um deposito é um ou mais objetos intencionalmente escondidos num local, é um fenómeno que acompanha a humanidade desde o neolítico, mas que tomou dimensões muito desproporcionais no final da idade do bronze, e tão depressa quanto este fenómeno se tornou tão frequenta, acabou abruptamente na idade do ferro

 Deposito de ''maria candal''

 

A interpretação inicial dos depósitos é que seriam esconderijos, sítios onde as populações escondiam as suas ferramentas ou joias, até porque, se o leitor se imaginar a viver na idade do bronze, onde mais esconderia algo se não debaixo da terra, ou entre algumas rochas ? Parece ser uma explicação logica mas não explica o motivo das proporções deste fenómeno, será que as populações do bronze final sofriam de um terrível caso de amnesia coletiva e esqueciam-se onde tinham enterrado os seus metais? Metais esses tão valiosos naquela época. A interpretação ignora também os depósitos feitos em contextos irrecuperáveis como as deposições em meio aquático, ou em fendas profundas na rocha. Não colocando fora de hipótese que um ou outro depósitos sejam efetivamente esconderijos, de indivíduos ou mercadores, até mesmo depósitos de fundidor, mas simplesmente pela dimensão do fenómeno não podemos aceitar esta interpretação

 




Deposito de paredes de coura (machados ainda com cone de fundição)




Começamos também a notar vários padrões curiosos nos depósitos, por exemplo, é muito raro, ou até mesmo inexistente, surgirem materiais de origem mediterrânica em contexto de depósitos, por exemplo fíbulas, é também comum encontrar ferramentas, nomeadamente machados, que nunca foram usados, alguns nunca foram sequer preparados para ser usados, encontram-se machados ainda com o cone de fundição, isto significa que aquelas peças foram feitas especificamente para ser enterradas

 

há também a interpretação que sugere que os depósitos seriam uma tentativa de manipulação de mercado, o período onde os depósitos são mais vulgares é precisamente o bronze final, período em que começam a aparecer peças em ferro, muito superiores ás peças em bronze, alguns arqueólogos sugerem então que o motivo por trás do enterro de peças em bronze seria para tornar o bronze mais raro, o bronze é um metal reciclável, uma vez que uma ferramenta se parta, pode sempre ser derretida e fazer-se outra, o bronze ocupava um lugar muito importante na sociedade e nas economias, a chegada do ferro, que pode ser obtido praticamente em todo o lado, e é mais eficaz que o bronze, poderia ameaçar uma suposta elite que baseou a sua riqueza no comercio do bronze, logo os depósitos seriam uma tentativa de remover bronze do mercado e aumentar o seu valor, esta teoria pode parecer bastante apelativa, porém apenas de um ponto de vista moderno, não podemos assumir que os povos antigos tinham as mesmas ideias económicas que nos, alias, durante a idade do bronze em Portugal nem existia ‘’dinheiro’’, é um período em que a economia baseia-se essencialmente em trocas de bens, porém mesmo assumindo que os homens da idade do bronze estariam intencionalmente a manipular o mercado, surge outro pormenor que nos leva a pensar em outras perspetivas, dentro de toda a variedade de objetos nos depósitos, há um fator em comum, todos estes objetos são de origem indígena, produzidos localmente e seguindo a tradição local, porem ao escavar povoados sabemos que estes povos tinham uma quantidade significante de objetos importados, não são as fíbulas de bronze na mesma? Porque não juntar as fíbulas aos depósitos? Talvez o leitor tenha lido sobre alguns ‘’depósitos’’ como o de porto do concelho onde surgiram fíbulas, é importante notar que este ‘’deposito’’ consiste num pequeno deposito e de outras peças encontradas noutros contextos mas no mesmo local, em depósitos propriamente ditos não se verifica a presença de fíbulas, as fíbulas poderiam ate ter vindo a ser produzidas localmente, mas surgiram em Portugal devido a influencias mediterrânicas, como explicamos este ultimo pormenor?

 

                           Deposito de coles de samuel





dado este fator podemos assumir que os depósitos são atos tradicionais das comunidades indígenas, mas qual seria a sua função? Claro que tendo tudo em conta parece que a explicação mais adequada é que estes depósitos seriam algo ritual, esta interpretação é apoiada pelo facto de muitos destes depósitos serem encontrados em sítios com algum destaque na paisagem, nascentes de rios, formações rochosas fora do comum, cavernas e fragas, lagos e pântanos, outros locais que á primeira vista não aparentam ter nenhum destaque na paisagem poderiam outrora ter outro significado, por exemplo uma arvore enorme, ou o local onde caiu um raio, ou onde pairou uma ave, não sabemos, mas efetivamente uma significante parte dos depósitos são achados em locais com um expressivo destaque, talvez se possa interpretar as deposições como oferendas a uma entidade, ou talvez como um sacrifício, ou até uma devolução á terra do bronze que esta lhes providenciou, geralmente na arqueologia interpretar algo como um ritual ou algo relacionado com misticismo é mal visto, é na verdade dito que quando um arqueólogo não sabe o que é algo afirma ser ritual, no entanto efetivamente parece que o fenómeno das deposições seria algo ritual ou votivo, tendo em conta que nenhuma outra interpretação consegue responder a todo o fenómeno das deposições

 



 ''Portas de Alvaiazere'' local onde foi encontrado um deposito





é provavelmente a explicação mais certa apesar da arqueologia atual tipicamente considerar ‘’preguiçoso’’ interpretar algo como ritual, este fenómeno é mais um que contribui para a extensa lista de mistérios acerca do bronze final, parece que quanto mais escavamos e estudamos os povos indígenas, menos realmente sabemos, cada descoberta faz-nos ter mais questões ás quais não conseguimos responder, e não sabendo responder, dizemos que é ritual

    

 

domingo, 27 de outubro de 2024

Uma terra parada no tempo


 

O monte larouco é um local cheio de misticismo para aqueles que habitam em seu redor, este local já seria sagrado para as comunidades pré romanas do barroso que consideraram que naquele monte vivia o deus Larauco, Esta antiga crença baseia-se nas aras romanas dedicadas ao deus Larauco, encontradas tanto do lado galego como do lado português, onde frequentemente lhe atribuíam o título de “Máximo,” colocando-o ao nível do próprio Júpiter romano. A influência desse deus foi tão marcante na cultura local que o seu nome se manteve associado ao monte durante mais de dois mil anos, chegando até aos nossos dias.


O barroso é uma região onde frequentemente assistimos á conservação de tradições muito antigas, a preservação do nome de larauco na montanha enquadra nesta tendência regional


    


região do barroso





  O maior povoado do barroso atualmente é Montalegre, uma vila fundada no período medieval, é mesmo assim uma pequena vila, alem de Montalegre o barroso é uma região profundamente rural e assim terá sido durante milénios, talvez isto a ausência de estradas importantes que atravessem a região, bem como a geografia montanhosa e o clima agreste tenham sido fatores cruciais na conservação de tradições, lendas e toponímia antiga

 


Apesar da rusticidade e relativa pobreza das terras do barroso no ultimo milénio, nas idades dos metais é possível que esta terra, devido á mineração, usufruísse de outro estatuto superior ao atual, podemos verificar que foram identificados bastantes povoados datáveis a este período, podemos considerar que todos os montes com características apelativas foram povoados nas idades dos metais 

  Povoados proto-historicos do barroso

Uma prova desta riqueza antiga do barroso são os torques encontrados perto do Outeiro, na abertura da estrada que liga Paradela a Outeiro, foram encontrados três torques em ouro, actualmente em exposição no Museu Nacional de Arqueologia, três fascinantes peças, os torques eram sinais de grande poder no mundo indígena ou nas comunidades célticas, são relativamente comuns no norte de Portugal





Aproveitando estas joias para comparar algumas joias da idade do ferro com joias atuais, é fascinante como são semelhantes, talvez uma joia da idade do ferro não se destacasse muito numa joelharia de centro comercial 



Não se pode falar de conservação de tradições antigas sem se falar da croça, um traje típico da região, atualmente já muito poucos fazer croças que não sejam miniaturas, é feita de juncos e o seu uso era generalizado e comum pelos habitantes do barroso até há pouco menos de um século, a origem da croça talvez venha desde o neolítico  

 

 

O fumeiro tão apreciado do barroso é possivelmente também de origem muito remota, os povoados da idade do ferro e do bronze as casas, por norma redondas, tinham uma lareira no centro, isto levava á acumulação de fumo no teto das cabanas, era também no teto onde se pendurava a carne para a armazenar 


 




sábado, 26 de outubro de 2024

Deposito da Solveira

 

O depósito de Solveira foi descoberto acidentalmente em abril de 1961, enquanto se realizavam trabalhos agrícolas na localidade de Solveira, um pequeno povoado situado perto de Montalegre, é constituído por um machado de talão com duas argolas, duas pontas de lança e um objeto interpretado como um garfo.




“o achado foi encontrado sob um socalco de terra, à profundidade aproximada de um metro e trinta centímetros, a uns seis metros de distância e na margem direita de um regato que corta de Sul para Norte o Vale Travesso”  o local do achado foi interpretado como uma potencial mina dada a cor do estrato, mina que teria sido tapada para depositar os objetos



Após a descoberta, o pároco local, Padre João Moreira de Carvalho, preservou as peças, que posteriormente foram entregues à Câmara Municipal de Montalegre. Hoje, fazem parte do acervo arqueológico do Ecomuseu do Barroso.

O ‘’garfo’’ é interpretado como uma peça associada a ‘’banquetes rituais’’ á semelhança de outros espetos com decorações também encontrados em portugal

Estes objetos foram datados ao bronze final



sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Mistérios da arqueologia, a função das muralhas

 

As muralhas dos povoados de altitude da Idade do Bronze, como a que circunda o Outeiro do Circo, em Beja, foram durante muito tempo interpretadas como muralhas defensivas para proteger os povoados de invasores, a ausência de sinais de conflito na vasta maioria dos povoados ‘’fortificados’’ em conjunto com a dimensão destas muralhas, geralmente têm menos de um metro levantam questões quanto à sua função original.


 Estes muros, frequentemente elaborados sistemas de muralhas, rampas seguidas de outras linhas de muralha e fossas, parecem não ter contribuído diretamente para a defensibilidade do local. No caso do Outeiro do Circo, a muralha cerca o topo do povoado, mas sua disposição e a baixa estatura dos muros, bem como as fossas que facilmente seriam ultrapassadas e não põem ninguém em risco, sugerem que a função das muralhas poderia ter sido simbólica ou social, e não militar.




É possível que essas muralhas tenham atuado como delimitadores territoriais ou como elementos de prestígio e identidade coletiva, a sua função seria então limitar a área habitada e conferir ao povoado uma imponência que afirmasse seu estatuto e organização social. Assim, mais do que barreiras contra invasores, poderiam representar um marco visual e cerimonial, separando o espaço dos vivos e da comunidade das terras ao redor, talvez também refletindo hierarquias internas e a coesão de um grupo.

Parece que esta é a interpretação mais aceite hoje em dia, é porém mesmo assim uma interpretação com falhas, porque gastar tantos recursos e tanta mão de obra para uma muralha simbólica? Quando um arqueólogo não sabe a função de algo diz que é ritual, parece sempre ser uma boa explicação para qualquer fenómeno inexplicável 

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Evora e York, a mesma origem

 

Évora, uma das cidades mais antigas de Portugal, possui uma história que remonta a tempos pré-romanos. O nome da cidade é frequentemente associado à palavra de origem ‘’celta’’ Ebora ou Ebura, que teria sido utilizada pelos povos indígenas que habitavam a Península Ibérica antes da chegada dos romanos. É possivel que Ebora possa significar “teixo” ou “local dos teixos”

 


York, por sua vez, foi fundada pelos romanos como Eboracum, uma adaptação de um nome anterior de origem britânica ‘’celta’’. Os romanos mantiveram esse nome ao estabelecer a cidade no século I d.C. Estudos linguísticos sugerem que Eboracum possa derivar de eburos, também relacionado ao termo celta para "teixo". Mais tarde, com o passar dos séculos e as influências de novas populações, como anglo-saxões e vikings, o nome evoluiu até chegar a York

 

Essa coincidência no uso de Ebora e Eboracum apoia a hipótese de uma possível raiz linguística comum, e também sugere que os povos antigos davam importância ao teixo, uma árvore que de acordo com alguns historiadores seria simbólica e sagrada para os ‘’celtas’’


Os artefactos como janelas para o passado

 

Uma nota importante acerca da arqueologia que talvez muitos indivíduos fora da área não tenham considerado, os artefactos arqueológicos não são o objetivo final da arqueologia, o artefacto não é um fim, mas sim um meio, um meio de compreender a sociedade que o produziu, o que realmente interessa ao arqueólogo é o que é que o artefacto lhe pode contar, o que é que aquele achado implica? 

 



após uma prospeção encontramos um peso de tear, o peso de tear não é por si uma artefacto fascinante, mas para o arqueologo, o peso de tear conta uma historia, este implica que naquele local houvesse produção de tecidos, possivelmente aponta também para a produção de matéria prima para fazer os tecidos, como a lã ou o linho



                                                                    reconstrução de um antigo tear



 

Um tranchet de bronze implica que naquele local se trabalhasse o couro, em colaboração com a química, podemos determinar onde foi minerado o cobre que constitui o tranchet, implicando alguma conexão entre o local de origem do material e o seu destino, ajudando o arqueólogo a determinar eventuais rotas de comercio 


segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Uma deusa convertida a santa?

 

Perto de Montalegre existe uma capela no cume de um monte dedicada á ‘’senhora das treburas’’ um nome que suscita alguma curiosidade, parece que não existe nenhum trabalho, ou pelo menos desconheço acerca da origem deste nome

 


no entanto ‘’senhora das treburas’’ imediatamente faz lembrar um nome que surge em alguns epigrafes de época romana, epigrafes feitos por nativos ibéricos que ainda veneravam os deuses locais, um desses deuses era Trebaruna, não é incomum em Portugal os locais sagrados da proto-historia serem convertidos em locais sagrados para o cristianismo, é no entanto incomum conservar-se o nome da entidade venerada, sendo geralmente substituído o nome por um latinizado 

 

Nas terras em redor de montalegre parece relativamente comum a conservação de toponimia e tradições muito remotas, não muito longe desta capela possivelmente dedicada a Trebaruna existe um monte chamado ''Larouco'' que terá origem no nome do deus celta ''Larauco'', foram econtradas aras romanas tanto do lado portugues quanto do lado galego do monte dedicadas ao deus celtico





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Outro local também convertido ao cristianismo é o templo de são miguel da mota, no alentejo, onde sabe-se que outrora foi um templo dedicado ao deus lusitano endovélico, foi no seculo V no entanto construida uma capela cristã no local

 






sábado, 19 de outubro de 2024

Celtas, ou não ? Problema identitário do norte de Portugal

 

 

O termo "celta" refere-se, geralmente, a um grupo de povos antigos que habitavam várias regiões da Europa e partilhavam certas características culturais, linguísticas e religiosas.

Tradicionalmente, os celtas são associados ao uso das línguas célticas, e a elementos culturais comuns encontrados em áreas como a França, as Ilhas Britânicas e partes da Europa Central e da Península Ibérica. A cultura celta caracteriza-se muito pelo desenvolvimento da arte ‘’decorativa’’ (especialmente os motivos curvilíneos e espirais), práticas religiosas e rituais específicos, e pela organização social em tribos guerreiras.

No entanto, é importante salientar que "celta" é um termo genérico e, muitas vezes, simplificador. O termo celta ignora a diversidade de identidades culturais que existiam em diferentes regiões e que, apesar de apresentarem influências ou traços comuns, possuíam tradições e modos de vida únicos. Ou seja, o termo “celta” pode se referir mais a uma vasta rede de trocas culturais e influências do que a um único e coeso grupo étnico ou cultural.



A cultura castreja desenvolveu-se especialmente nas regiões montanhosas do norte de Portugal e da Galiza, caracterizando-se por assentamentos fortificados conhecidos como castros. Esses castros apresentam uma arquitetura circular, com casas de pedra e uma organização que sugere uma sociedade complexa, talvez a mais complexa das sociedades pré romanas. A cultura castreja tornou-se um fator identitário no norte de Portugal desde o seculo passado, nos dias de hoje é comum ouvir muitas referências aos ‘’celtas’’ pelo norte, em alguns locais ‘’revieram-se’’ supostas tradições como batizados celtas e outras festas, talvez isto não seja muito correto, o termo celta traz uma imediata associação aos povos ditos ‘’celtas’’ da europa central e das ilhas britânicas, isto pode gerar grandes confusões, muitas vezes estes revivalismos históricos que verificamos no norte estão na verdade a reanimar tradições de origem irlandesa ou britânica, sobre o pretexto que ambos os povos eram ‘’celtas’’

 

Arqueologicamente, a cultura castreja apresenta certos elementos que podem ser considerados "celtas", como ornamentos decorativos, armas e práticas que lembram as dos povos celtas da Europa Central.

 a pedra formosa da citania de briteiros, um exemplo de ''arte'' celta em contexto castrejo

As semelhanças culturais e materiais entre a cultura castreja e as culturas celtas podem ser explicadas por influências comerciais e culturais ao invés de uma verdadeira identidade celta. Como a Península Ibérica era uma rota comercial estratégica, é provável que os castrejos tenham adotado e adaptado certos elementos celtas, sem, no entanto, serem celtas no sentido estrito.

Isto porque não há evidencias claras de uma grande invasão que substituísse os povos indígenas, é muito mais provável que os povos indígenas da idade do bronze, com influencias do centro da europa devido talvez ao comercio, desenvolveram a cultura castreja com alguns elementos semelhantes aos celtas, é no entanto muito pouco provável que houvesse uma ligação étnica ou genética entre estes povos, há no entanto uma clara ligação linguística, talvez da mesma maneira que o latim evoluiu para português, castelhano, italiano etc, o ramo das línguas celtas tenha evoluído também, sugerindo assim um antepassado mais antigo comum entre os castrejos e os povos do resto da europa

É no fundo um problema com o termo ''celta'', um termo que generaliza e que pouco significa, respondendo á pergunta incial, os castrejos não eram o mesmo povo que os celtas da gália, nem da irlanda ou das ilhas britânicas, eram no entanto talvez primos, e conservavam uma língua e talvez uma mitologia e cultura semelhante, mas não eram o mesmo povo, meter todos esses povos no mesmo saco e chamar-lhes celtas é talvez a mesma coisa que chamar aos portuguesês, aos espanhois, franceses e italianos de romanos.


Em suma, se considerarmos que ser celta é falar uma lingua celtica e seguir uma tipologia artistica, então sim, os castrejos eram celtas, mas se considerarmos que celta é descendente genético da cultura de hallstatt e la téne então muito provavelmente não, ou pelo menos não inteiramente, não pondo de fora a hipotese alguma migração ter ocorrido, mas nunca a substituição da população indigena da idade do bronze.





quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Sobre o blog

 Escrevo quase sempre de memoria e simplesmente por entretenimento, tomando por base notas que tirei durante aulas e livros que li, agradeço que os leitores comentem e corrijam qualquer erro nesta página

O objetivo deste blog é oferecer a conhecer a proto-história a indivíduos alheios á arqueologia e sem complicar os textos com termos arqueológicos, focando apenas nos temas de maior certeza e interesse para o leitor comum, mas também oferecer sínteses suficientemente complexas para ajudar outros estudantes a compreender a matéria

Cada pagina do blog terá uma síntese sobre um tópico, irei continuar a atualizar todas as paginas frequentemente, eventualmente, gostaria de tornar este blog num grande atlas da historia de Portugal, mas por enquanto focar-me-ei na proto-história e arqueologia 


sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Protogal - Introdução


 Bem vindo ao PROTOGAL, a janela para as terras portuguesas antes dos romanos, aqui podes aprender tudo o que se conhece até hoje sobre as comunidades indígenas que habitavam Portugal




quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Uma nota importante acerca do conhecimento arqueologico

 O conhecimento proveniente da arqueologia, que representa uma vasta parte de tudo o que sabemos sobre a proto historia, é um conhecimento '' provável '' ou seja, é baseado em interpretações e teorias de arqueólogos que são frequentemente contestadas, isto não significa que o conhecimento arqueológico seja necessariamente errado, significa apenas que devemos ler e interpretar tudo com um sentido critico, devemos estar abertos a hipóteses novas e diferentes perspectivas

 

O que é um machado? como é que sabemos que para uma comunidade lusitana no III século antes de Cristo considerava aquela ferramenta como um machado ? Não sabemos, mas podemos assumir que é esse o caso tendo em conta a etnografia e a historia escrita, parece até ridículo sugerir que um machado possa ter sido algo diferente para as comunidades proto históricas, mas efectivamente o machado foi utilizado com outras finalidades além das que conhecemos hoje na proto história

Palstave-axes-with-two-rings-and-casting-cones-fronesta imagem podem ver machados de talão característicos da idade do bronze em Portugal, estes machados foram encontrados todos em conjunto, consideramos estes conjuntos como depósitos, um fenómeno comum na idade do bronze que irei abordar noutro post, mas estes machados que foram intencionalmente enterrados em conjunto possuem ainda o cone de fundição, para o machado ser utilizado o cone de fundição precisa de ser removido, então estes machados nunca foram utilizados. As evidencias apontam para estes machados terem sido feitos e logo de seguida enterrados, alguém os queria esconder? talvez um vendedor? Seriam explicações lógicas se este fosse um caso isolado, o fenómeno das deposições de machados toma proporções enormes no final da idade do bronze, e praticamente desaparece na idade do ferro, a não ser que as populações do bronze final sofressem um grave caso de amnésia colectiva, dadas as proporções do fenómeno bem como outros aspectos que irei abordar num post especifico aos depósitos de bronze, não podemos assumir que fossem simplesmente objectos escondidos

Qual seria o motivo que levou alguém a produzir dezenas de machados de bronze apenas para enterrar e esquecer? isto era tão comum no norte de Portugal que encontramos mais machados em contexto de deposito do que em contexto de povoados, machados dos quais uma significante quantidade, tal como os das imagens, foram feitos e logo de seguida enterrados

tendo isto em conta, será que o machado realmente serviria as mesmas funções que um machado hoje? muito provavelmente sim, mas teria também uma função simbólica ou ritual que terá sido esquecida

escrevi este exemplo para demonstrar quão frágil pode ser uma interpretação arqueológica, o leitor deve sempre manter um pensamento critico ao ler artigos relativos á arqueologia, os factos arqueológicos são em grande parte meramente teorias, aceites entre a academia, mas teorias, principalmente quanto mais recuamos na história