terça-feira, 12 de novembro de 2024

As argolas da proto historia

 

Se já viu artefactos encontrados em povoados da idade do bronze/ferro já deve ter reparado na abundância de argolas simples em bronze, á primeira vista podem parecer anéis, mas a sua forma bem como os seus variados tamanhos anulam esta hipótese, o que é curioso é que estas argolas são talvez o artefacto em bronze mais comum e omnipresente a todos os povoados da época, encontram-se em contextos funerários, e até em depósitos, qual seria a sua função?

 


A interpretação mais aceitada fora de Portugal é que estas argolas seriam uma ‘’moeda’’, isso realmente explica a sua abundância, mas a falta de paralelos etnográficos bem como a falta de necessidade de desenvolver uma moeda num período dominado por trocas de bens gera algumas questões.

Surge também a hipótese destas argolas fazerem parte de algum objeto de adorno, talvez se fizesse um colar com várias ou se pendurassem na roupa?

Podiam também ser ‘’lingotes’’, a forma da argola podia simplesmente ser a forma mais comum de vender bronze, talvez esta ideia seja suportada pelas desproporcionais quantidades de estanho presentes nas argolas, geralmente estas argolas têm uma percentagem superior de estanho em relação a outros objetos de bronze

Claro que não fica de fora a hipótese favorita de qualquer arqueólogo, as argolas também podem ter tido um papel em práticas religiosas ou rituais  poderiam ser utilizadas em oferendas, cerimônias ou como talismãs com significados simbólicos

Podemos especular muito sobre a sua função, o que sabemos ao certo é que eram objetos muito comuns no cotidiano das pessoas na proto historia

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Origens de Bragança

 

A origem do nome Bragança vem da deusa céltica ‘’Brigantia’’, de facto até hoje os habitantes de Bragança são chamados brigantinos, parece, no entanto, que Brigantia viveria na sombra de um povoado muito mais relevante apenas a 7 quilómetros, seria a cidade conhecida pelos romanos como Civitas Zoelarum, hoje em Castro de avelãs, uma pequena aldeia

 


Civitas Zoelarum pode ser traduzido para ‘’terras / cidade dos Zoelas ‘’ mas quem eram os Zoelas ?

Os Zoelas seriam um tribo englobada no grande povo Calaico do norte de Portugal, é importante compreender que na idade do ferro em Portugal não existe o conceito de nação, ou é bastante diferente do conceito atual, é frequente existirem várias subdivisões tribais dentro destes grandes grupos como os Calaicos e os Lusitanos, e é bastante provável que neste tempo os povos se identificassem mais com estas subdivisões, ou seja, é provável que um habitante de bragança da idade do ferro se considerasse como um Zoela primeiro, e como um Calaico em segundo

 

Placa de bronze de periodo romano, trata-se de um texto juridico que faz referencia aos zoelas

Toda a região da depressão de bragança seria a terra dos Zoelas, sabemos, graças ao achado de epigrafes que a principal divindade dos Zoelas era Aerno, e Plínio o velho, uma das fontes clássicas frequentemente consultadas, fez uma referência ao povo zoela dizendo que produziam linho de excecional qualidade

 

Sobre a cidade de bragança em si sabemos menos, haveria certamente alguma ocupação no local, como evidenciado pela porca da vila, uma estatua de granito de um porco datada á idade do ferro (Berrão), esta estatua encontra-se atualmente no pelourinho de bragança, esta não é uma peça única no pais, parece que os povos lusitanos e calaicos tinham alguma afixação pela figura do suíno. Para além deste berrão existe referencia também a um achado da idade do ferro, uma lamina de ouro com uma figura feminina representada no centro, rodeada por 4 golfinhos, a peça é conhecida por ‘’Bráctea de Siracusa‘’ e tem um forte cariz mediterrânico, a figura feminina foi interpretada como uma ‘’divindade’’. É seguro assumir que haveria ocupação de Bragança na idade do ferro, seria muito provavelmente um pequeno castro, ou um local ‘’sagrado’’ ou de culto á deusa brigantia


Brigantia terá dado nome a outras terras por toda a europa, é o caso de Bregenz na Áustria, Briançon nos alpes franceses, A Corunha na Galiza, que outrora chamava-se Brigancium

 

Curiosamente nas lendas irlandesas relativas á chegada dos primeiros homens á irlanda faz-se referência a uma terra na península ibérica chamada brigantia, na qual haveria sido construída uma torre alta que permitiu avistar as costas verdes da irlanda, de acordo com a lenda viriam desta brigantia os primeiros habitantes da irlanda, seria esta ‘’brigantia’’ bragança ou a corunha? As lendas devem ser valorizadas não pelas histórias fantásticas que elas contam, mas pelo que elas nos podem contar sobre a mentalidade dos povos e os seus conhecimentos, neste caso, esta lenda parece inferir a existência de contactos antigos entre os povos ibéricos e os povos irlandeses


terça-feira, 5 de novembro de 2024

Tesouro de Chão de lamas

 

O Tesouro encontrado em chão de lamas, uma aldeia próxima de Coimbra, foi datado aos seculos I ou II antes de cristo, há poucas informações sobre o achado mas terá surgido durante trabalhos agrícolas nas proximidades de chão de lamas

 


O ‘’tesouro’’ trata-se de um conjunto de peças de prata, possivelmente de fabrico indígena lusitano, são seis fascinantes objetos: um colar (torque) completo; um fragmento de outro; duas lunelas ou peitorais, uma de prata batida ou fundida; dois vasos lavrados e um umbo ou umbigo de escudo de guerra ou seja o seu ornamento central com ornatos de ouro ou de prata muito dourada.

 


As peças são dos mais sofisticados exemplos de arte e ourivesaria indígena, tão sofisticados que geram algumas questões, parece que os 6 artefactos que compõem este tesouro não se enquadram em nenhuma tipologia conhecida daquela época, são peças completamente únicas

 

Isto pode significar que foram encomendadas a um artesão talentoso estrangeiro, ou talvez uma prenda? Entrando num campo completamente hipotético, sabemos que os cartagineses frequentemente contratavam mercenários lusitanos, poderão estas peças fazer parte de algum tipo de acordo com Cartago ou outra qualquer civilização onde a produção destas peças fosse mais provável?

A arte nas peças, nomeadamente na lúnula, é inconfundivelmente indígena, a lúnula foi interpretada como um cenário de sacrifício, parece mostrar a oferenda de porcos a uma figura representada por uma cabeça, nas extremidades parecem estar representadas duas cabeças de cobra estilizadas, esta decoração das extremidades seria algo comum na época, claro que a interpretação é subjetiva e há elementos representados na lúnula que não sabemos interpretar

 


A presença de trísceles e outros elementos de arte típicos de culturas célticas de la tène podem no entanto indicar-nos um pouco mais acerca de quem eram os lusitanos, as fontes clássicas não concordam sempre acerca de quem eram os lusitanos, uns dizem que eram celtas outros afirmam que não, atualmente parece que a visão mais aceite é a que seriam povos indígenas, etnicamente falando, mas que falariam uma língua semelhante ás línguas célticas e em termos culturais poderiam ser interpretados como tal, as peças deste tesouro são das poucas da região centro de Portugal (onde viveriam os lusitanos) que possuem realmente arte celta, e parecem apoiar esta interpretação, apresentam a tríscele céltica, mas mantêm um caracter único na sua arte, parecem representar exatamente a mistura do mundo da idade do bronze com as novas influencias célticas

 

Infelizmente este tesouro e importantissima obra de arte indigena portuguesa foi vendida pelo achador, desapareceu por uns tempos e foi novamente encontrada no museu arqueologico nacional de madrid, onde está até hoje


quinta-feira, 31 de outubro de 2024

O mistério dos ''tesouros'' da idade do bronze

 

 
(deposito proviniente de inglaterra)

Certamente já conhece o fenómeno das deposições da idade do bronze, um deposito é um ou mais objetos intencionalmente escondidos num local, é um fenómeno que acompanha a humanidade desde o neolítico, mas que tomou dimensões muito desproporcionais no final da idade do bronze, e tão depressa quanto este fenómeno se tornou tão frequenta, acabou abruptamente na idade do ferro

 Deposito de ''maria candal''

 

A interpretação inicial dos depósitos é que seriam esconderijos, sítios onde as populações escondiam as suas ferramentas ou joias, até porque, se o leitor se imaginar a viver na idade do bronze, onde mais esconderia algo se não debaixo da terra, ou entre algumas rochas ? Parece ser uma explicação logica mas não explica o motivo das proporções deste fenómeno, será que as populações do bronze final sofriam de um terrível caso de amnesia coletiva e esqueciam-se onde tinham enterrado os seus metais? Metais esses tão valiosos naquela época. A interpretação ignora também os depósitos feitos em contextos irrecuperáveis como as deposições em meio aquático, ou em fendas profundas na rocha. Não colocando fora de hipótese que um ou outro depósitos sejam efetivamente esconderijos, de indivíduos ou mercadores, até mesmo depósitos de fundidor, mas simplesmente pela dimensão do fenómeno não podemos aceitar esta interpretação

 




Deposito de paredes de coura (machados ainda com cone de fundição)




Começamos também a notar vários padrões curiosos nos depósitos, por exemplo, é muito raro, ou até mesmo inexistente, surgirem materiais de origem mediterrânica em contexto de depósitos, por exemplo fíbulas, é também comum encontrar ferramentas, nomeadamente machados, que nunca foram usados, alguns nunca foram sequer preparados para ser usados, encontram-se machados ainda com o cone de fundição, isto significa que aquelas peças foram feitas especificamente para ser enterradas

 

há também a interpretação que sugere que os depósitos seriam uma tentativa de manipulação de mercado, o período onde os depósitos são mais vulgares é precisamente o bronze final, período em que começam a aparecer peças em ferro, muito superiores ás peças em bronze, alguns arqueólogos sugerem então que o motivo por trás do enterro de peças em bronze seria para tornar o bronze mais raro, o bronze é um metal reciclável, uma vez que uma ferramenta se parta, pode sempre ser derretida e fazer-se outra, o bronze ocupava um lugar muito importante na sociedade e nas economias, a chegada do ferro, que pode ser obtido praticamente em todo o lado, e é mais eficaz que o bronze, poderia ameaçar uma suposta elite que baseou a sua riqueza no comercio do bronze, logo os depósitos seriam uma tentativa de remover bronze do mercado e aumentar o seu valor, esta teoria pode parecer bastante apelativa, porém apenas de um ponto de vista moderno, não podemos assumir que os povos antigos tinham as mesmas ideias económicas que nos, alias, durante a idade do bronze em Portugal nem existia ‘’dinheiro’’, é um período em que a economia baseia-se essencialmente em trocas de bens, porém mesmo assumindo que os homens da idade do bronze estariam intencionalmente a manipular o mercado, surge outro pormenor que nos leva a pensar em outras perspetivas, dentro de toda a variedade de objetos nos depósitos, há um fator em comum, todos estes objetos são de origem indígena, produzidos localmente e seguindo a tradição local, porem ao escavar povoados sabemos que estes povos tinham uma quantidade significante de objetos importados, não são as fíbulas de bronze na mesma? Porque não juntar as fíbulas aos depósitos? Talvez o leitor tenha lido sobre alguns ‘’depósitos’’ como o de porto do concelho onde surgiram fíbulas, é importante notar que este ‘’deposito’’ consiste num pequeno deposito e de outras peças encontradas noutros contextos mas no mesmo local, em depósitos propriamente ditos não se verifica a presença de fíbulas, as fíbulas poderiam ate ter vindo a ser produzidas localmente, mas surgiram em Portugal devido a influencias mediterrânicas, como explicamos este ultimo pormenor?

 

                           Deposito de coles de samuel





dado este fator podemos assumir que os depósitos são atos tradicionais das comunidades indígenas, mas qual seria a sua função? Claro que tendo tudo em conta parece que a explicação mais adequada é que estes depósitos seriam algo ritual, esta interpretação é apoiada pelo facto de muitos destes depósitos serem encontrados em sítios com algum destaque na paisagem, nascentes de rios, formações rochosas fora do comum, cavernas e fragas, lagos e pântanos, outros locais que á primeira vista não aparentam ter nenhum destaque na paisagem poderiam outrora ter outro significado, por exemplo uma arvore enorme, ou o local onde caiu um raio, ou onde pairou uma ave, não sabemos, mas efetivamente uma significante parte dos depósitos são achados em locais com um expressivo destaque, talvez se possa interpretar as deposições como oferendas a uma entidade, ou talvez como um sacrifício, ou até uma devolução á terra do bronze que esta lhes providenciou, geralmente na arqueologia interpretar algo como um ritual ou algo relacionado com misticismo é mal visto, é na verdade dito que quando um arqueólogo não sabe o que é algo afirma ser ritual, no entanto efetivamente parece que o fenómeno das deposições seria algo ritual ou votivo, tendo em conta que nenhuma outra interpretação consegue responder a todo o fenómeno das deposições

 



 ''Portas de Alvaiazere'' local onde foi encontrado um deposito





é provavelmente a explicação mais certa apesar da arqueologia atual tipicamente considerar ‘’preguiçoso’’ interpretar algo como ritual, este fenómeno é mais um que contribui para a extensa lista de mistérios acerca do bronze final, parece que quanto mais escavamos e estudamos os povos indígenas, menos realmente sabemos, cada descoberta faz-nos ter mais questões ás quais não conseguimos responder, e não sabendo responder, dizemos que é ritual